sexta-feira, 2 de maio de 2008

"O artista como artista sente menos do que os outros homens porque produz ao
mesmo tempo que sente, e nesse caso há uma dualidade de espírito incompatível
com o estar entregue a um sentimento."

EMOÇÃO E POESIA

Quem quer que seja de algum modo um poeta sabe muito bem quão mais fácil é
escrever um bom poema (se os bons poemas se acham ao alcance do homem) a respeito
de uma mulher que lhe interessa muito do que a respeito de uma mulher pela qual está
profundamente apaixonado. A melhor espécie de poema de amor é, em geral, escrita a
respeito de uma mulher abstrata.

Uma grande emoção é por demais egoísta; absorve em si própria todo o sangue do
espírito, e a congestão deixa as mãos demasiado frias para escrever. Três espécies de
emoções produzem grande poesia - emoções fortes e profundas ao serem lembradas
muito tempo depois; e emoções falsas, isto é, emoções sentidas no intelecto. Não a
insinceridade, mas sim, uma sinceridade traduzida, é a base de toda a arte.

O grande general que pretende ganhar uma batalha para o império de seu país e
para a história de seu povo não deseja - não pode desejar ter muitos de seus soldados
assassinados (mortos). Contudo, uma vez que tenha penetrado na contemplação de sua
estratégia, escolherá (sem um pensamento para seus homens) o golpe melhor, embora o
faça perder cem mil homens, em vez da estratégia pior, ou mesmo a mais lenta, que lhe
pode deixar nove décimos daqueles homens com quem e por quem luta, e a quem, em
geral, ama. Torna-se um artista por amor a seus compatriotas, e expõe-nos à carnificina
por causa de sua estratégia.

Fernando Pessoa.

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