quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Canção Quase Inquieta

De um Lado, a eterna estrela
e do outro a vaga incerta,

meu pé dançando pela
extremidade da espuma,
e meu cabelo por uma
planície de luz deserta

Sempre assim:
de um lado, estandartes do vento ...
- do outro, sepulcros fechados.
E eu me partindo, dentro de mim,
para estar ao mesmo momento
de ambos os lados.

Se existe a tua Figura,
se és o Sentido do Mundo,
deixo-me, fujo por ti,
nunca mais quero ser minha!

(Mas, neste espelho, no fundo
desta fria luz marinha
como dois baços peixes,
nadam meus olhos à minha procura ...
Ando contigo - e sozinha.
Vivo longe - e acham-me aqui...)

Fazedor da minha vida,
não me deixes!
Entende a minha canção!
Tem pena do meu murmúrio,
reúne-me em tua mão!

Que eu sou gota de mercúrio
dividida,
desmanchado pelo chão ...

C. Meirelles

3 comentários:

Anônimo disse...

O Erudito e o Poeta

Disse a serpente à cotovia: "Tu voas, mas não podes visitar os recessos da terra, onde a seiva se move em completo silêncio"
E a cotovia respondeu: "Sim, tu sabes muitas coisas, és até mais sábia do que as coisas sábias - é pena que não possas voar."
E, como se não tivesse ouvido, a serpente disse: "Não podes ver os segredos das profundezas, nem mover-te em meio dos tesouros do império escondido. Ainda ontem, deitei-me numa caverna de rubis, similar ao coração da romã madura. O mais ligeiro raio de luz converte-a num fogo roxo. Quem, senão eu, pode contemplar tais maravilhas?"
E a cotovia disse: "Ninguém, ninguém senão tu pode deitar-se entre as memórias cristalinas dos ciclos - é pena que não possas cantar."
E a serpente disse: "Conheço uma planta cuja raiz desce às entranhas da terra. E quem comer dessa raiz se tornará mais belo do que Astarté."
E a cotovia disse: "Ninguém, ninguém senão tu pode desvendar o mágico pensamento da terra - é pena que não possas voar."
E a serpente disse: "Há uma corrente de púrpura que corre sob uma montanha, e quem dela beber tornar-se-á imortal como os deuses. Certamente nenhum pássaro ou fera pode descobrir essa corrente de púrpura."
E a cotovia respondeu: "Se o quisesses, poderias escapar à morte tal como os deuses - é pena que não possas cantar."
E a serpente disse: "Conheço um templo sepultado, que visito uma vez em cada lua. Foi construído por uma raça esquecida de gigantes, e em suas muralhas estão gravados os segredos do tempo e do espaço, e quem os ler entenderá até o que está além do entendimento."
E a cotovia disse: "Na verdade, se desejares, podes encerrar em teu corpo flexível todo o conhecimento do tempo e do espaço - é pena que não possas voar."
Então, a serpente ficou aborrecida. E ao voltar-se e entrar em sua cova, murmurou: "Cantorinha de cabeça oca!"
E a cotovia saiu voando, a cantar: "É pena que não possas cantar. É pena, minha sábia, que não possas voar".

Já cantei e voei muito, antes de me decidir a servir os outros. Quero voltar a cantar e voar

Anônimo disse...

O olho é um teatro por dentro.
E às vezes, sejam atores,
sejam cenas,
e as vezes, sejam imagens,
sejam ausências,
formam, no olho, lágrimas.
Cecília Meireles

Anônimo disse...

Canção quase melancólica - C.M.

Parei as águas do meu sonho
para teu rosto mirar.
Mas só a sombra dos meus olhos
ficou por cima, a procurar...

Os pássaros da madrugada
não têm coragem de cantar,
vendo o meu sonho interminável
e a esperança do meu olhar.

Procurei-te em vão pela terra,
perto do céu, por sobre o mar.
Se não chegas nem pelo sonho
por que insisto em te imaginar?

Quando vierem fechar meus olhos,
talvez não se deixem fechar.
Talvez pensem que o tempo volta,
e que vens, se o tempo voltar.