quinta-feira, 3 de julho de 2014

- O que você faz? - alguém me perguntou.
- Trepo e bebo.
- Não, não, quero saber a sua ocupação.
- Lavador de pratos.
- Lavador de pratos?
- Sim.
- Você tem algum passatempo?
- Bem, não sei se dá pra chamar de passatempo. Escrevo.
- Escreve?
- É.
- O que?
- Contos. Coisa fina.
- Já foi publicado?
- Não.
- Porque?
- Não mandei pra ninguém.

Bukowski - Ao sul de lugar nenhum

sábado, 10 de maio de 2014

Eu estava sentado em um bar na avenida western. Era perto da meia noite e eu estava metido em uma das minhas habituais confusões. Quero dizer, você sabe, nada dá certo: as mulheres, os trabalhos, a falta dos trabalhos, o tempo, os cães. Por fim, você simplesmente senta em uma espécie de transe e espera, como se estivesse sentado no banco da parada de ônibus aguardando a morte.
Charles Bukowski - ao sul de lugar nenhum.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Não te preocupe com as flores do jardim que enfeitam a frente
da tua casa: seguirão sendo cuidadas com carinho, e embora não estejas
mais por perto, segue vindo em todo anoitecer voar aquele pequeno colibri
pra beijar de língua as belas coisas que tua amavas
até que um dia a morte também o recolha e os rejunte e reduza amavelmente
a qualquer coisa que seja do mesmo tamanho que a vida.

dom fabrizio

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

o escritor está incumbido de declarar e celebrar a capacidade do homem de grandeza de coração e espírito, de bravura na derrota, de coragem, de compaixão e amor, na guerra sem fim contra a fraqueza e o desespero. esses são os estandartes brilhantes da esperança.

john steinbeck

sábado, 8 de setembro de 2012

Eu precisava tirar férias. Precisava de cinco mulheres. Precisava tirar a cera dos ouvidos. Precisava trocar o óleo do carro. Tinha esquecido de apresentar a porra da declaração de rendimentos. Um dos meus óculos de leitura estava com o pino quebrado. O apartamento, cheio de formiga. Precisava limpar os dentes. Os sapatos estavam gastos no salto. Eu tinha insônia. O seguro do meu carro vencera. Eu me cortava toda vez que me barbeava. Há seis anos não dava uma boa risada. Tinha tendência a me preocupar quando não havia nada que se preocupar. E quando havia alguma preocupação real eu tomava um porre.

Charles Bukowski (Pulp)

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Será que eu devia ter forçado a barra? Como saber o que fazer? Em geral, pensava eu, é melhor esperar, se você tem algum sentimento pela pessoa. Se você a detesta logo de cara, o melhor é já ir trepando; senão, era melhor esperar, depois trepar e deixar pra detestá-la mais tarde. 


Buk

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Relendo Pulp, do Bukowski.

Relendo Pulp, do Bukowski. Até agora, duas tiradas do velho safado: 
"De algum modo, me perdi, os olhos grudados nas pernas dela. Sempre fui de perna. Foi a primeira coisa que eu vi quando nasci. Mas então eu tentava sair. Desde então, tenho me virado no sentido contrário, e com um azar dos diabos."
(...)
"Eu tinha talento, tenho talento. Às vezes olhava minhas mãos e compreendia que podia ter sido um grande pianista. Mas o que tinham feito minhas mãos? Coçado o saco, preenchido cheques, amarrado cadarços, puxado descargas de banheiros, etc. Desperdicei minhas mãos. E minha mente."

sábado, 17 de março de 2012

penamento fino

Pensamento fino.

Hoje quase sem perceber,
durante todo o meu dia,
eu só pensava em você.
Pensava assim com jeito
de quem não queria pensar.
Num pensamento fino e cortante,
que ia por debaixo das coisas
que eu queria pensar direito.
Pensava assim como um defeito
no meu jeito de pensar,
um erro, uma falha
de quem não quer se lembrar
mas que se engana, e se deixa enganar,
quando pensa para esquecer
e se esquece para lembrar.

Hoje o dia já se acabou,
e eu ainda penso em você.
Penso no que já pensei
quando não queria pensar,
E no que eu não pensei
porque queria pensar.
E penso, e repenso.
De novo torno a pensar.
E penso num pensamento,
que me parece sufocar.
Vai-te de mim, criatura!
Anda ! Desata !
Saia do meu pensamento,
tal qual me saíste da vida.
Deixa-me agora, vai, te afasta !
Que a hora já é hora
e eu preciso descansar.
Pois se sigo pensando em ti
tu que me negas e me faltas,
eu que me cuide, pois não,
que esse pensamento, qual faca,
esse pensamento me mata!

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Frase da semana, presente do Carlos Kiplin: meu exagero no desapego, me compromete.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

buk erótico

Então lá estava eu, aos cinquenta e seis anos, na Zona Oeste de Los Angeles, às 3:45 da tarde, com duas das mais lindas mulheres da América - ou de qualquer outro lugar, diga-se de passagem. E com duas mulheres mais absurdamente difíceis do mundo - elas eram conscientes dos próprios corpos e de como os outros reagiam a esses corpos, e era muito difícil para elas seguirem sendo humanas com tudo acontecendo dessa maneira. No entanto ambas tinham brilho interior e jogo de cintura; não haviam sucumbido totalmente à aparência. Isso era desconcertante e mortal e maravilhoso.

C. Bukowski - Pedaços de um caderno manchado de vinho

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Efraim Medina Reyes:
Sensibilidad es alcanzar la velocidad justa y la caricia exacta.

sábado, 3 de dezembro de 2011

"As mulheres podem tornar-se facilmente amigas de um homem; mas, para manter essa amizade, torna-se indispensável o concurso de uma pequena antipatia física".

Friedrich Nietzsche

terça-feira, 6 de setembro de 2011


SIMULTANEIDADE
- Eu amo o mundo! Eu detesto o mundo! Eu creio em Deus! Deus é um absurdo! Eu vou me matar! Eu quero viver!
- Você é louco?
- Não, sou poeta.
Mario Quintana - A vaca e o hipogrifo (Poesia Completa, p. 535)

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

biografia de Buñuel

Sobre as filmagens do filme Viridiana:

Conservo uma lembrança especial  do extravagante personagem que interpretava o leproso, uma mistura de vagabundo e louco. Permitia-se que morasse no pátio do estúdio. Ele escapava a toda direção de ator e, no entanto, acho-o maravilhoso no filme. Algum tempo depois encontrava-se em Burgos, num banco. Passam dois turistas franceses que viram o filme. Reconhecem-no e cumprimentam-no. Ele recolhe imediatamente seus magros pertences, joga sua trouxa nos ombros e sai andando e dizendo: "Vou para Paris! Lá sou conhecido!"

Morreu no caminho.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

         O mundo é de quem não sente. A condição essencial para se ser um homem prático é a ausência de sensibilidade. A qualidade principal na prática da vida é aquela qualidade que conduz à acção, isto é, a vontade. Ora há duas coisas que estorvam a acção - a sensibilidade e o pensamento analítico, que não é, afinal, mais que o pensamento com sensibilidade. Toda a acção é, por sua natureza, a projecção da personalidade sobre o mundo externo, e como o mundo externo é em grande e principal parte composto por entes humanos, segue que essa projecção da personalidade é essencialmente o atravessarmo-nos no caminho alheio, o estorvar, ferir e esmagar os outros, conforme o nosso modo de agir.
         Para agir é, pois, preciso que nos não figuremos com facilidade as personalidades alheias, as suas dores e alegrias. Quem simpatiza pára. O homem de acção considera o mundo externo como composto exclusivamente de matéria inerte - ou inerte em si mesma, como uma pedra sobre que passa ou que afasta do caminho; ou inerte como um ente humano que, porque não lhe pôde resistir, tanto faz que fosse homem como pedra, pois, como à pedra, ou se afastou ou se passou por cima.
         O exemplo máximo do homem prático, porque reúne a extrema concentração da acção com a sua extrema importância, é a do estratégico. Toda a vida é guerra, e a batalha é, pois, a síntese da vida. Ora o estratégico é um homem que joga com vidas como o jogador de xadrez com peças do jogo. Que seria do estratégico se pensasse que cada lance do seu jogo põe noite em mil lares e mágoa em três mil corações? Que seria do mundo se fôssemos humanos? Se o homem sentisse deveras, não haveria civilização. A arte serve de fuga para a sensibilidade que a acção teve que esquecer. A arte é a Gata Borralheira, que ficou em casa porque teve que ser.
         Todo o homem de acção é essencialmente animado e optimista porque quem não sente é feliz. Conhece-se um homem de acção por nunca estar mal disposto. Quem trabalha embora esteja mal disposto é um subsidiário da acção; pode ser na vida, na grande generalidade da vida, um guarda-livros, como eu sou na particularidade dela. O que não pode ser é um regente de coisas ou de homens. À regência pertence a insensibilidade. Governa quem é alegre porque para ser triste é preciso sentir.
         O patrão Vasques fez hoje um negócio em que arruinou um indivíduo doente e a família. Enquanto fez o negócio esqueceu por completo que esse indivíduo existia, excepto como parte contrária comercial. Feito o negócio, veio-lhe a sensibilidade. Só depois, é claro, pois, se viesse antes, o negócio nunca se faria. “Tenho pena do tipo”, disse-me ele. “Vai ficar na miséria.” Depois, acendendo o charuto, acrescentou: “Em todo o caso, se ele precisar qualquer coisa de mim” - entendendo-se qualquer esmola - “eu não esqueço que lhe devo um bom negócio e umas dezenas de contos.”
         O patrão Vasques não é um bandido: é um homem de acção. O que perdeu o lance neste jogo pode, de facto, pois o patrão Vasques é um homem generoso, contar com a esmola dele no futuro.
         Como o patrão Vasques são todos os homens de acção - chefes industriais e comerciais, políticos, homens de guerra, idealistas religiosos e sociais, grandes poetas e grandes artistas, mulheres formosas, crianças que fazem o que querem. Manda quem não sente. Vence quem pensa só o que precisa para vencer. O resto, que é a vaga humanidade geral, amorfa, sensível, imaginativa e frágil, e nao mais que o pano de fundo contra o qual se destacam estas figuras da cena até que a peça de fantoches acabe, o fundo-chato de quadrados sobre o qual se erguem as peças de xadrez até que as guarde o Grande Jogador que, iludindo a reportagem com uma dupla personalidade, joga, entretendo-se sempre contra si mesmo.
Bernardo Soares - Livro do Desassossego
fernando pessoa

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

"Essas palavras, que provavelmente, tal como se apresentam, ninguém as teria dito antes, essas palavras tiveram a sorte de não se perderem umas das outras, tiveram quem as juntasse, quem sabe se o mundo não seria um pouco mais decente se soubéssemos reunir uma quantas palavras andam por aí soltas"

Saramago

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Provérbios do inferno



No tempo de semear, aprende; no da colheita, ensina; deleita-te no inverno.
O caminho do excesso conduz ao palácio da sabedoria.
A prudência é uma solteirona rica e feia, cortejada pela incapacidade.
Quem deseja e não age, gera pestilência.
Atira dentro do rio quem gostar de água.
Jamais se torna estrela aquele cujo rosto não irradia luz.
Conta, peso e medida são para o ano da escassez.
Persistisse o louco na loucura, ele encontraria a sabedoria.
Loucura, máscara da patifaria.
Pudor, máscara do orgulho.
Orgulho do pavão, glória de Deus; lascívia do bode, munificência de Deus; ira do leão, sabedoria de deus; nudez da mulher, trabalho de Deus.
Os rugidos do leão, os uivos do lobo, o furor do mar tempestuoso e a espada aniquiladora são parcelas da eternidade, demasiadamente grandes para o olho do homem.
As alegrias fecundam; as dores dão à luz.
Ave: ninho; aranha: teia; homem: amizade.
Se estiveres sempre decidido a revelar a tua opinião, o torpe te evitará.
Tudo o que for possível de ser acreditado é um reflexo da verdade.
De manhã, pensa; ao meio-dia, age; à tarde, come; à noite, dorme.
São mais sábios os tigres da ira, do que os cavalos da educação.
Conta como certo o veneno da água parada.
Só podes conhecer o que é suficiente se conheceres o que é mais do que suficiente.
Fraco de coragem, forte de astúcia.
Se os outros não fossem néscios, nós o seríamos.
Alma de prazer delicado não pode se conspurcada.
Maldição ata; bênção desata.
Cabeça: o Sublime; coração: o Patos; genital; Beleza; pés e mãos: a proporção.
Ar para o pássaro. Mar para o peixe; desprezo para o desprezível.
O corvo quer tudo preto; a coruja tudo branco.
Exuberância e beleza
Melhor matar uma criança no berço que acalentar desejos inativos.
O bastante; ou o Demasiado.
                                                                 William Blake

quinta-feira, 18 de março de 2010


Testamento
Manuel Bandeira

O que não tenho e desejo
É que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros — perdi-os...
Tive amores — esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei essa prece.
Vi terras da minha terra.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado
No meu olhar fatigado,
Foram terras que inventei.
Gosto muito de crianças:
Não tive um filho de meu.
Um filho!... Não foi de jeito...
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.
Criou-me, desde eu menino
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!
Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei!
(29 de janeiro de 1943)

sábado, 13 de março de 2010

Eu devia estar louco.  Sem me barbear. A camiseta cheia de buracos de cigarro. Meu único desejo era ter mais uma garrafa na cômoda. Não era feito para o mundo nem o mundo para mim, e encontrara outros como eu, e em sua maioria esses outros eram mulheres, mulheres com as quais a maioria dos homens jamais iria querer ficar num mesmo quarto, mas que eu adorava, elas me inspiravam, eu fazia teatro, xingava, saltava pelo quarto de cueca  dizendo-lhes que era grande, mas só eu acreditava nisso. Elas apenas berravam: " Foda-se! Sirva mais um pouco de álcool!" Aquelas donas do inferno, aquelas donas no inferno comigo.

Bukowski - Textos autobiográficos - L&PM

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010


I
Confira
tudo que
respira
conspira

II

Tudo é vago e muito vário
meu destino não tem siso,
o que eu quero não tem preço
ter um preço é necessário,
e nada disso é preciso

III
Cinco bares,
dez conhaques
atravesso são paulo
dormindo dentro de um táxi

IV
isso de querer
ser exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além

V

O pauloleminski
é um cachorro louco
que deve ser morto
a pau a pedra
a fogo a pique
senão é bem capaz
o filhodaputa
de fazer chover
em nosso piquenique

Paulo Leminski